Saímos de Carvelas junto com outros dois veleiros da França.
Num deles estavam a Ana, brasileira e Lohar, francês. No Aliade, barco deles havia um problema no
stay de proa. Eles estavam tentando ir para Salvador para resolver o problema e como outro barco
francês estava indo também, reunimos todos e saímos em flotilha.
A velejda foi maravilhosa.
O tempo estava bom e o vento também.
O clima do Sobá estava em alto nível. Todos rindo, brincando jogando, etc... Como
estávamos com vento de popa a navegada fica mais estável. Podíamos cosinhar e estar mais confortável.
Por um erro de cálculo de distância nós achávamos que
levaríamos cerca de 6 horas até nosso destino, Cumuruxatiba. Esse foi o primeiro erro. Nos demos conta
disso mais adiante.
Em determinada posição desviamos mais a boreste(esquerda) e
deixamos os barcos franceses seguindo em direção norte.
No final da tarde avistamos o farol de Cumuruxatiba e já
alinhamos a rota para ele. Mas ao nos aproximarmos a noite nos alcançou. Estávamos tranquilos pois já sabíamos algumas
dicas e, até então, confiávamos no plotter e nas cartas eletrônicas. Nosso segundo
erro.
Avistamos a cidade e não havia nenhum campo visual, somente
a cidade ao fundo. Sabíamos que havia um
banco de corais e havia uma entrada.
Seguimos o caminho que o plotter nos indicava.
Entrando na via que o plotter mostrava estávamos bem. Embora não víssemos absolutamente nada,
somente a cidade ao fundo (rolava uma festa de Santo Antônio com Axé Music, com
fogos e tudo) seguimos e passamos pela barreira de corais. O farol estava a cerca de uns 500 metros. Achei estranho um farol estar tão longe da entrada, mas o ploter nos
indicava outra passagem. Aliás dois ploters, pois também usávamos um Tablet com
cartas Navionics, que indicava o mesma passagem. Não há carta detalhada da Marinha desta área.
Uma vez que entramos,
pois já assinalava na tela que estávamos dentro sentimos uma pedra sobre
o casco. Susto geral. Desviamos para
boreste (direita) onde estava o farol e supostamente o Tablet indicada pequena
diferença para o mesmo lado. Mais
pedras. O barco sobe em uma pedra e aderna, susto maior. Travamos aí. Trabalhando com o motor conseguimos sair e a
profundidade chegou a 3 metros. Alívio e sensação de já passou. Quando então mais pedras batendo no fundo.
Tento retornar de onde vínhamos, pequenos deslocamentos, mas acabamos
encalhando de verdade. Novamento o barco aderna , dando a sensação que vai
virar, mas estabiliza, apruma e pára. O Sobá já não se mexia mais. Desespero total. A situação era: não havia
risco de vida pois estávamos com a cidade no visual, mas o barco encalhado. A previsão era de ondas grandes que poderiam
chegar e destruir o barco. Perder o
barco seria acabar com o sonho, a viagem.
Mas logo no início??? Pelo menos
a tranquilidade de saber que o barco está no seguro... Mas nossas vidas estão
do barco, nossos pertences, havíamos reduzido nossas coisas ao mínimo e tudo
estava ali dentro. Mas a tripulação
mantinha o sangue frio, ninguém desesperou.
Diego primeiramente sacou os salva vidas para todos, estava tomando sua
atitude. Maite inicia o resgate das
coisas principais para abandono do barco, tipo documentos, passaporte, dinheiro
etc... Eu verifico se o o casco está fazendo água e felizmente o casco é “casca-grossa” e se mostra
impenetrável, seco totalmente. Colocamos
o bote de apoio para fora e pusemos o motor.
Eu tento socorro por rádio e uma pessoa responde. Atende pelo nome de
Antônio Carlos. Ele me diz que se não
sair nesta maré, teremos que esperar a outra 12 horas depois. Já estávamos no estofo da maré, ou seja
começaria a baixar. Disse também que não
poderia resgatar o barco à noite, mas que se houvesse perigo de vida poderia
vir nos buscar. Estávamos com o bote
inflável preparado, não necessitávamos de alguém para vir nos resgatar. Posição tomada então pela tripulação foi
esperar os acontecimentos. Ver se as ondas de 3, 4 metros previstas chegariam e
detonariam o barco, forçando o abandono.Restava a esperança da próxima
maré. Precisávamos resistir ao solavanco
do barco sobre as pedras até o dia seguinte.
Rodrigo vai dormir, está cansado e nada pode fazer. Ligo para meu camarada Fávio Falcão de
Vitória e conto a situação. Ele nos dá
apoio, procurando saber que direção tomar através da nossa posição passada. Nos
dá a dica de pôr uma âncora, pois com a mudança da maré o barco não se
deslocaria. Eu e Diego saímos com o bote
e jogamos o ferro onde supostamente
deveríamos sair. Eu avalio e
tendo a pôr a âncora de frente para o sul, pois de lá poderia vir o tempo
grosso e queria que o Sobá virasse de frente para a situação. Fábio me dá uma idéia que eu inclusive já
havia visto no You-Tube, que alavancando na ponta superior do mastro poderia
fazer o barco adernar e então levantar a quilha. Poderia ser uma solução, surge uma
alternativa. Diego então vai dormir
também, já havia ajudado bastante e estava cansado. Ficamos eu e Maite no coc-pit, escutando o
barco roncando sobre as pedras e ainda com a sensação que tudo poderia se
perder. Eu não consigo ficar parado.
Como havia posto a âncora quase de través resolvo pegar uma driça (cabo que
suspende a vela do topo do mastro) e com o bote conecto no cabo da âncora.
Tento catracar e nada. Nisso o leme
começa a bater numa pedra. Pronto, se perder o leme piora a situação. Ligo mais uma vez o motor e tento
deslocamento. Nada. Ao longo deste período tento vários pedidos de socorro e
ninguém responde, nem o Antônio Carlos que havia contestado anteriomente. A situação é TENSA. Não durmo um minuto, pensando em alguma
alternativa. A única solução é com o dia clareando eu consiga uma pessoa do
local para ajudar com alguma embarcação e que conheça o lugar. São horas intermináveis, ouvindo o barco
bater e a festa ao fundo. Os caras já
repetiam as músicas e eu não aguentava mais escutar. Um silêncio poderia
ajudar. Tentamos entrar na cabine para
descansar, mas o ruído do casco roçando nas pedras era insuportável e
desistimos, retornamos ao coc-pit. Por
fim começa a clarear e eu estava no bote querendo trocar a âncora de posição e
nisso vejo uma traineira. Saio em disparada para alcançá-la. Ela parece não me
ver e eu assovio alto e acelero mais para tentar alcaçar o barco. Ele poderia
ser a solução. Vejo uma trajetória para
alcançar a traineira , me posiciono para frente para fazer peso na dianteira do
barco e acelero tudo que o motor de 5 HP pode dar e so então consigo fazer
contato com o comandante do barco. Ele faz um sinal que não compreendo mas não
para e eu continuo querendo interceptar a traineira, até que finalmente ele
diminui a velocidade e consigo alcançar.
Era o “Santo Antônio Carlos” que havia falado comigo. Ele disse que estava justamente indo ver
minha situação e que iria me ajudar. Foi
uma sensação incrível de que poderíamos sair dessa. Ele pára ao lado, avalia, e diz que vai
retornar com outro barco maior para então tentar soltar o barco. Ainda temos umas duas horas até o crítico da
maré alta. O Santo Antônio retorna com
uma traineira de uns 15 metros e cada vez mais aumentam minhas esperanças. Joga cabo para lá, arrasta daqui, puxa dali e
nada. Corta o cabo da âncora, continua
tentando e nada. Eu dando motor para
ajudar, o barco batendo a quilha e nada.
Estoura o cabo, coloca mais outro cabo, puxa mais, retorna, puxa de
novo, novamente , agora vai, acelera mais, vira o leme, por fim sinto um deslocamento. O barco se movimenta
finalmente mas por pouco tempo e trava novamente. Mais uma série de tentativas,
mais uma troca de cabos (navegantes, tenham sempre cabos e mais cabos).
Momentaneamente parecia que não teria solução, mas seguíamos tentando. O Santo Antônio continuaria até quando? A maré já estava quase alta nos dizendo que
não melhoraria muito mais daqui para frente.
Eu já pensando em outras alternativas, utilizando o barco dele para
“adernar” o meu, puxando no mesmo esquema pela ponta do mastro. A adriça
aguentaria??? Mais momentos tensos. De repente o barco se movimenta novamente,
bate em mais umas pedras, mais movimento, menos pedras o GPS começa marcar
velocidade, 1 nó, 2, 3, 4 saiu, já não batia mais em pedras, estávamos
soltos. Nosso Santo Antônio sai
acelerando. Se houver mais pedras agora
arrebenta tudo, mas ele deve saber como é o fundo, só me resta confiar. A sensação foi inesquecível. Nunca havia
sentido nada igual, coisa de filme de cinema.
Havíamos saído desta. Não perdemos o barco, o sonho continuará. Nós quatro nos abraçando alí sendo rebocados
rindo e com amesma sensação.
Paramos adiante, ancoramos e fomos tomar café com nosso
salvador. Era um senhor de 66 anos,
nativo de lá, justamente o cara que preciávamos veio ao nosso encontro. Nos falou que demos sorte (no nosso azar),
pois na noite anterior passamos justamente por uma pequena entrada e encalhamos
logo depois em um tipo de coral relativamente mais mole do que os primeiros, e foi o que salvou o barco. E já neste segundo
banco de corais não recebíamos as ondas de frente, e sim já amortizadas pela
primeira barreira de corais.
Mestre Antônio Carlos
nos contou várias histórias de naufrágios acontecidos por ali, inclusive uma
embarcação da Marinha que havia ido lá para fazer o farol. Não nos queria cobrar
nada pelo auxílio, apenas uma ajuda para o díesel. Ainda é possível encontrar pessoas boas pelo
mundo. Claro que fiz uma boa
contribuição que o deixou bastante satisfeito e posteriormente, já conhecendo
sua esposa, compramos um presente mais pessoal para a família.
Ainda faltava avaliar os danos do casco, onde poderia haver
alguma surpresa. Mergulho e vejo o casco
e leme. Ufa, tudo bem. Houve pequenas
avarias e a tinta venenosa se foi em grande parte da quilha e do leme, mas tudo
está íntegro. Mais ma vez o Sobá se
mostrando guerreiro.
Moral da história:
Nunca confie totalmete no plotter e nas cartas eletrônicas.
Seguindo a dica do meu camarada Fábio Falcão, evite chegar à
noite em um lugar desconhecido. Ou atraze a viagem ou pare do lado de fora e
espere o dia para avaliar a situação.
Em caso de dúvida não entre.
.
Passado o sufoco, desfrutamos dias felizes. Alugamos bicicletas e passeamos pela areia da
praia, conhecemos o lugarejo.
Estamos postando já de Porto Seguro. Encontramos uma amiga antiga que mora aqui em
Arraia D’ajuda, a Vera, casada com o Marcelo e com seus filhos, Bruno, Lucas e
Jason.
Primeiras dicas... |
Após o resgate. |
Cidade em clima de Santo Antônio... |
Final feliz |
Ficamos na dúvida se deveríamos publicar detalhes sobre essa
nossa história, mas resolvemos expor por
achar que poderia ajudar outros navegantes que possam passar por situações
similares.
Cuidado , ou as lições custarão mais caro . Procure calcular a entrada na barra , canal,etc sempre junto com a maré , e as vezes ajuda (num papél à parte) traçar um rumo partindo de onde vc quer chegar para onde vc está e ir estudando , ventos marés e perigos a evitar. Bons ventos sempre...
ResponderExcluirOlá,
ExcluirConforme comentei no texto, eu entrei na maré cheia. Os imprevistos acontecem em qualquer momento, sempre quando voce se descuida. Claro que o importante é evitar os descuidos, mas vamos aprendendo com os erros.
Grato pelo comentário
Caros amigos,
ResponderExcluirnão tenham dúvidas que fizeram muito bem em postar este perrengue pelo qual vocês passaram. Estão contribuindo e muito para toda a comunidade de cruzeiristas e navegadores deste nosso país.
Vocês são um exemplo de reflexão e boa administração da crise.
Peço que vcs coloquem uma mensgaem sobre o ocorrido no forum da ABVC pois assim mais gente saberá os cuidados que se deve tomar.
Quanto a o que fazer para evitar esta situação vivida não me sinto capaz para fazer comentários.
Parabens!!
Paulo Ribeiro
Veleiro Bepaluhe
M. Engenho - Paraty
Olá,
ResponderExcluirMuito incentivador seu comentário. Quanto a publicar no forum da ABVC não sei como proceder exatamente. Se puder me dê as dicas ou pode publicar diretamente, citando o blog.
"Perrengues" passados se tornam crescimentos para o velejador e, por mais que se informe ou estude, sempre surgirão os imprevistos que farão parte da aventura. Essa é a emoção que nos motiva.
Grato pelo seu belo comentário.
Ricardo
Olá Ricardo : o mais importante de tudo ! POR PIOR QUE SEJA A SITUAÇÃO, NUNCA ACREDITE QUE ELA É REALMENTE RUIM ! OU SEJA SEMPRE MANTENHA A CALMA POR PIOR QUE SEJA A SITUAÇÃO !VC FEZ O CERTO, PREPARAR PARA ABANDONAR SIM............ABANDONAR BOIANDO ..........................NÃO ! PARABÉNS A TRIPULAÇÃO QUE REALMENTE SE MANTEVE UNIDA E SEM BATER CABEÇA ! UM GRANDE ABRAÇO PARA TODOS FABIO FALCÃO
ResponderExcluirOla amigos...Tenho a impressao que a moral da historia deveria ser outra...NUNCA CONFIE EM CARTAS ELETRONICAS E/OU PLOTTERS...SEMPRE confira os dados das eletronicas com cartas tradicionais de papel...nestas se pode confiar. Trace o rumo nas cartas de papel, verifique o desvio para gps..e somente depois, ponto a ponto, passe a rota para o plotter...
ResponderExcluirFininho Zuretta
Olá! Espero que se torne um livro, a jornada de vocês. Cheia de emoções.
ResponderExcluirBoa Sorte!!!!!