sábado, 16 de junho de 2012


Saímos de Carvelas junto com outros dois veleiros da França. Num deles estavam a Ana, brasileira e Lohar, francês.  No Aliade, barco deles havia um problema no stay de proa. Eles estavam tentando ir para Salvador  para resolver o problema e como outro barco francês estava indo também, reunimos todos e saímos em flotilha. 
A velejda foi maravilhosa.  O tempo estava bom e o vento também.  O clima do Sobá estava em alto nível.  Todos rindo, brincando jogando, etc... Como estávamos com vento de popa a navegada fica mais estável.  Podíamos cosinhar e estar mais confortável.
Por um erro de cálculo de distância nós achávamos que levaríamos cerca de 6 horas até nosso destino, Cumuruxatiba.  Esse foi o primeiro erro. Nos demos conta disso mais adiante. 
Em determinada posição desviamos mais a boreste(esquerda) e deixamos os barcos franceses seguindo em direção norte.
No final da tarde avistamos o farol de Cumuruxatiba e já alinhamos a rota para ele. Mas ao nos aproximarmos a noite nos alcançou.  Estávamos tranquilos pois já sabíamos algumas dicas e, até então, confiávamos no plotter e nas cartas eletrônicas. Nosso segundo erro.
Avistamos a cidade e não havia nenhum campo visual, somente a cidade ao fundo.  Sabíamos que havia um banco de corais e havia uma entrada.  Seguimos o caminho que o plotter  nos indicava. 
Entrando na via que o plotter mostrava estávamos bem.  Embora não víssemos absolutamente nada, somente a cidade ao fundo (rolava uma festa de Santo Antônio com Axé Music, com fogos e tudo) seguimos e passamos pela barreira de corais.  O farol estava  a cerca de uns 500 metros.  Achei estranho um farol estar  tão longe da entrada, mas o ploter nos indicava outra passagem. Aliás dois ploters, pois também usávamos um Tablet com cartas Navionics, que indicava o mesma passagem.  Não há carta detalhada da Marinha desta área.
Uma vez que entramos,  pois já assinalava na tela que estávamos dentro sentimos uma pedra sobre o casco.  Susto geral. Desviamos para boreste (direita) onde estava o farol e supostamente o Tablet indicada pequena diferença para o mesmo lado.  Mais pedras. O barco sobe em uma pedra e aderna, susto maior. Travamos aí.  Trabalhando com o motor conseguimos sair e a profundidade chegou a 3 metros. Alívio e sensação de já passou.  Quando então mais pedras batendo no fundo. Tento retornar de onde vínhamos, pequenos deslocamentos, mas acabamos encalhando de verdade. Novamento o barco aderna , dando a sensação que vai virar, mas estabiliza, apruma e pára. O Sobá já não se mexia mais.  Desespero total. A situação era: não havia risco de vida pois estávamos com a cidade no visual, mas o barco encalhado.  A previsão era de ondas grandes que poderiam chegar e destruir o barco.  Perder o barco seria acabar com o sonho, a viagem.  Mas logo no início???  Pelo menos a tranquilidade de saber que o barco está no seguro... Mas nossas vidas estão do barco, nossos pertences, havíamos reduzido nossas coisas ao mínimo e tudo estava ali dentro.  Mas a tripulação mantinha o sangue frio, ninguém desesperou.  Diego primeiramente sacou os salva vidas para todos, estava tomando sua atitude.  Maite inicia o resgate das coisas principais para abandono do barco, tipo documentos, passaporte, dinheiro etc... Eu verifico se o o casco está fazendo água e felizmente  o casco é “casca-grossa” e se mostra impenetrável, seco totalmente.  Colocamos o bote de apoio para fora e pusemos o motor.  Eu tento socorro por rádio e uma pessoa responde. Atende pelo nome de Antônio Carlos.  Ele me diz que se não sair nesta maré, teremos que esperar a outra 12 horas depois.  Já estávamos no estofo da maré, ou seja começaria a baixar.  Disse também que não poderia resgatar o barco à noite, mas que se houvesse perigo de vida poderia vir nos buscar.  Estávamos com o bote inflável preparado, não necessitávamos de alguém para vir nos resgatar.  Posição tomada então pela tripulação foi esperar os acontecimentos. Ver se as ondas de 3, 4 metros previstas chegariam e detonariam o barco, forçando o abandono.Restava a esperança da próxima maré.  Precisávamos resistir ao solavanco do barco sobre as pedras até o dia seguinte.  Rodrigo vai dormir, está cansado e nada pode fazer.  Ligo para meu camarada Fávio Falcão de Vitória e conto a situação.  Ele nos dá apoio, procurando saber que direção tomar através da nossa posição passada. Nos dá a dica de pôr uma âncora, pois com a mudança da maré o barco não se deslocaria.  Eu e Diego saímos com o bote e jogamos o ferro onde supostamente  deveríamos sair.  Eu avalio e tendo a pôr a âncora de frente para o sul, pois de lá poderia vir o tempo grosso e queria que o Sobá virasse de frente para a situação.  Fábio me dá uma idéia que eu inclusive já havia visto no You-Tube, que alavancando na ponta superior do mastro poderia fazer o barco adernar e então levantar a quilha.  Poderia ser uma solução, surge uma alternativa.  Diego então vai dormir também, já havia ajudado bastante e estava cansado.  Ficamos eu e Maite no coc-pit, escutando o barco roncando sobre as pedras e ainda com a sensação que tudo poderia se perder.  Eu não consigo ficar parado. Como havia posto a âncora quase de través resolvo pegar uma driça (cabo que suspende a vela do topo do mastro) e com o bote conecto no cabo da âncora. Tento catracar e nada.  Nisso o leme começa a bater numa pedra. Pronto, se perder o leme piora a situação.  Ligo mais uma vez o motor e tento deslocamento. Nada. Ao longo deste período tento vários pedidos de socorro e ninguém responde, nem o Antônio Carlos que havia contestado anteriomente.  A situação é TENSA.  Não durmo um minuto, pensando em alguma alternativa. A única solução é com o dia clareando eu consiga uma pessoa do local para ajudar com alguma embarcação e que conheça o lugar.  São horas intermináveis, ouvindo o barco bater e a festa ao fundo.  Os caras já repetiam as músicas e eu não aguentava mais escutar. Um silêncio poderia ajudar.  Tentamos entrar na cabine para descansar, mas o ruído do casco roçando nas pedras era insuportável e desistimos, retornamos ao coc-pit.  Por fim começa a clarear e eu estava no bote querendo trocar a âncora de posição e nisso vejo uma traineira. Saio em disparada para alcançá-la. Ela parece não me ver e eu assovio alto e acelero mais para tentar alcaçar o barco. Ele poderia ser a solução.  Vejo uma trajetória para alcançar a traineira , me posiciono para frente para fazer peso na dianteira do barco e acelero tudo que o motor de 5 HP pode dar e so então consigo fazer contato com o comandante do barco. Ele faz um sinal que não compreendo mas não para e eu continuo querendo interceptar a traineira, até que finalmente ele diminui a velocidade e consigo alcançar.  Era o “Santo Antônio Carlos” que havia falado comigo.  Ele disse que estava justamente indo ver minha situação e que iria me ajudar.  Foi uma sensação incrível de que poderíamos sair dessa.   Ele pára ao lado, avalia, e diz que vai retornar com outro barco maior para então tentar soltar o barco.  Ainda temos umas duas horas até o crítico da maré alta.  O Santo Antônio retorna com uma traineira de uns 15 metros e cada vez mais aumentam minhas esperanças.  Joga cabo para lá, arrasta daqui, puxa dali e nada.  Corta o cabo da âncora, continua tentando e nada.  Eu dando motor para ajudar, o barco batendo a quilha e nada.  Estoura o cabo, coloca mais outro cabo, puxa mais, retorna, puxa de novo, novamente , agora vai, acelera mais, vira o leme,  por fim sinto um deslocamento. O barco se movimenta finalmente mas por pouco tempo e trava novamente. Mais uma série de tentativas, mais uma troca de cabos (navegantes, tenham sempre cabos e mais cabos). Momentaneamente parecia que não teria solução, mas seguíamos tentando.  O Santo Antônio continuaria até quando?  A maré já estava quase alta nos dizendo que não melhoraria muito mais daqui para frente.  Eu já pensando em outras alternativas, utilizando o barco dele para “adernar” o meu, puxando no mesmo esquema pela ponta do mastro. A adriça aguentaria???  Mais momentos tensos.  De repente o barco se movimenta novamente, bate em mais umas pedras, mais movimento, menos pedras o GPS começa marcar velocidade, 1 nó, 2, 3, 4 saiu, já não batia mais em pedras, estávamos soltos.  Nosso Santo Antônio sai acelerando.  Se houver mais pedras agora arrebenta tudo, mas ele deve saber como é o fundo, só me resta confiar.  A sensação foi inesquecível. Nunca havia sentido nada igual, coisa de filme de cinema.  Havíamos saído desta. Não perdemos o barco, o sonho continuará.  Nós quatro nos abraçando alí sendo rebocados rindo e com amesma sensação.
Paramos adiante, ancoramos e fomos tomar café com nosso salvador.  Era um senhor de 66 anos, nativo de lá, justamente o cara que preciávamos veio ao nosso encontro.  Nos falou que demos sorte (no nosso azar), pois na noite anterior passamos justamente por uma pequena entrada e encalhamos logo depois em um tipo de coral relativamente mais mole do que os primeiros,  e foi o que salvou o barco. E já neste segundo banco de corais não recebíamos as ondas de frente, e sim já amortizadas pela primeira barreira de corais.
 Mestre Antônio Carlos nos contou várias histórias de naufrágios acontecidos por ali, inclusive uma embarcação da Marinha que havia ido lá para fazer o farol. Não nos queria cobrar nada pelo auxílio, apenas uma ajuda para o díesel.  Ainda é possível encontrar pessoas boas pelo mundo.  Claro que fiz uma boa contribuição que o deixou bastante satisfeito e posteriormente, já conhecendo sua esposa, compramos um presente mais pessoal para a família.
Ainda faltava avaliar os danos do casco, onde poderia haver alguma surpresa.  Mergulho e vejo o casco e leme. Ufa, tudo bem.  Houve pequenas avarias e a tinta venenosa se foi em grande parte da quilha e do leme, mas tudo está íntegro.  Mais ma vez o Sobá se mostrando guerreiro.
Moral da história:
Nunca confie totalmete no plotter e nas cartas eletrônicas.
Seguindo a dica do meu camarada Fábio Falcão, evite chegar à noite em um lugar desconhecido. Ou atraze a viagem ou pare do lado de fora e espere o dia para avaliar a situação.
Em caso de dúvida não entre.
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Passado o sufoco, desfrutamos dias felizes.  Alugamos bicicletas e passeamos pela areia da praia, conhecemos o lugarejo.
Estamos postando já de Porto Seguro.  Encontramos uma amiga antiga que mora aqui em Arraia D’ajuda, a Vera, casada com o Marcelo e com seus filhos, Bruno, Lucas e Jason.
Primeiras dicas...

Após o resgate.




Cidade em clima de Santo Antônio...

Final feliz
Ficamos na dúvida se deveríamos publicar detalhes sobre essa nossa  história, mas resolvemos expor por achar que poderia ajudar outros navegantes que possam passar por situações similares.

7 comentários:

  1. Cuidado , ou as lições custarão mais caro . Procure calcular a entrada na barra , canal,etc sempre junto com a maré , e as vezes ajuda (num papél à parte) traçar um rumo partindo de onde vc quer chegar para onde vc está e ir estudando , ventos marés e perigos a evitar. Bons ventos sempre...

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    1. Olá,
      Conforme comentei no texto, eu entrei na maré cheia. Os imprevistos acontecem em qualquer momento, sempre quando voce se descuida. Claro que o importante é evitar os descuidos, mas vamos aprendendo com os erros.
      Grato pelo comentário

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  2. Caros amigos,
    não tenham dúvidas que fizeram muito bem em postar este perrengue pelo qual vocês passaram. Estão contribuindo e muito para toda a comunidade de cruzeiristas e navegadores deste nosso país.
    Vocês são um exemplo de reflexão e boa administração da crise.
    Peço que vcs coloquem uma mensgaem sobre o ocorrido no forum da ABVC pois assim mais gente saberá os cuidados que se deve tomar.
    Quanto a o que fazer para evitar esta situação vivida não me sinto capaz para fazer comentários.

    Parabens!!

    Paulo Ribeiro
    Veleiro Bepaluhe
    M. Engenho - Paraty

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  3. Olá,
    Muito incentivador seu comentário. Quanto a publicar no forum da ABVC não sei como proceder exatamente. Se puder me dê as dicas ou pode publicar diretamente, citando o blog.
    "Perrengues" passados se tornam crescimentos para o velejador e, por mais que se informe ou estude, sempre surgirão os imprevistos que farão parte da aventura. Essa é a emoção que nos motiva.
    Grato pelo seu belo comentário.
    Ricardo

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  4. Olá Ricardo : o mais importante de tudo ! POR PIOR QUE SEJA A SITUAÇÃO, NUNCA ACREDITE QUE ELA É REALMENTE RUIM ! OU SEJA SEMPRE MANTENHA A CALMA POR PIOR QUE SEJA A SITUAÇÃO !VC FEZ O CERTO, PREPARAR PARA ABANDONAR SIM............ABANDONAR BOIANDO ..........................NÃO ! PARABÉNS A TRIPULAÇÃO QUE REALMENTE SE MANTEVE UNIDA E SEM BATER CABEÇA ! UM GRANDE ABRAÇO PARA TODOS FABIO FALCÃO

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  5. Ola amigos...Tenho a impressao que a moral da historia deveria ser outra...NUNCA CONFIE EM CARTAS ELETRONICAS E/OU PLOTTERS...SEMPRE confira os dados das eletronicas com cartas tradicionais de papel...nestas se pode confiar. Trace o rumo nas cartas de papel, verifique o desvio para gps..e somente depois, ponto a ponto, passe a rota para o plotter...

    Fininho Zuretta

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  6. Luciana Lopes e Augusto Garios7 de julho de 2012 às 16:04

    Olá! Espero que se torne um livro, a jornada de vocês. Cheia de emoções.
    Boa Sorte!!!!!

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